top of page

UMA NOVA PERSPECTIVA NA MODA CEARENSE 

Cintia Martins e Julia Giffoni  

A Economia Criativa ganha força no cenário global

A Indústria da Moda desenvolveu uma reputação ligada ao glamour e sofisticação além de impor um padrão de beleza que atormenta crianças e adolescentes no mundo inteiro. Mais do que isso, essa indústria gigantesca também é marcada por explorar recursos naturais e mão de obra. Na contramão, o mercado e a economia vêm mostrando que novos empreendedores, estilistas e marcas estão buscando o oposto a tudo isso, aplicando os conceitos da Economia Criativa na Moda, a fim de ressignificar guarda roupas no mundo inteiro com peças feitas para durar a vida toda, sem explorar a mão de obra e o meio ambiente, gerando lucro ao mesmo tempo em que aplica uma nova cultura na Indústria da Moda.

 

A Economia Criativa tem como base a inovação e o conhecimento, gerando riquezas a partir da criatividade, sustentabilidade e capital intelectual, sendo então, atividades associadas diretamente à cultura, ao conhecimento, à inovação e à tecnologia. O conceito surge em 1994 pelo então primeiro-ministro da Austrália, Paul Keating. Três anos depois, com o britânico Tony Blair, surge um órgão de governo dedicado exclusivamente às indústrias criativas. Em 2015, surge um relatório da Unesco e da consultoria EY com base em dados da Organização Internacional da Trabalho (OIT) relacionando 11 setores como a espinha dorsal da economia criativa. Fazem parte desta lista indústrias como: televisão, artes visuais, mídia impressa (jornais e revistas), publicidade, arquitetura e games. Também estão diretamente ligados à economia criativa setores como moda, design e desenvolvimento de aplicativos.

 

No Brasil, a economia criativa já é uma realidade que está crescendo a cada ano, e envolvendo diversas áreas, inclusive, a Moda. Em 2012, um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostrou que 2,7% do PIB brasileiro em 2011, foi produzido pelos setores da economia criativa. De acordo com o órgão, o PIB gerado por essa nova forma de fazer economia cresceu quase 70% em dez anos, acima dos 34,4% registrados pela economia brasileira como um todo.

 

Um dos grandes nomes da Moda economicamente criativa no Brasil é a Lala Deheinzelin, futurista e pioneira no setor, desenvolve estratégias de sustentabilidade. Para Lala o primeiro passo para construir um futuro desejável, é a mudança de olhar e perceber a economia criativa a partir de uma nova perspectiva de sustentabilidade.

Moda para Mim

No Ceará, em 2011, a Economia Criativa na Moda já galgava passos ambiciosos com Renata Santiago, estilista da sua própria marca (Moda para Mim), personal stylist e professora universitária. O projeto pensa além dos clichês da sustentabilidade na indústria têxtil, vai além, integrando responsabilidade social e cultural. Para Renata é importante falar da sua origem, nascida em Fortaleza, o slogan da sua marca é “Feito no Ceará”, o conceito do projeto surge primeiro como um blog, em 2008, funcionando como espaço para falar sobre a moda no estado, criticar e exaltar, o que era feito: “Dentro da minha construção do que seria o Moda Para Mim que é uma ideia, mas também uma empresa, um grupo que está sempre se reinventado, isso também é um pressuposto da economia criativa. Trabalho a consultoria de imagem dentro da consultoria de peças”.

 

No seu trabalho de consultoria de imagens, a estilista também ministra cursos que visam trabalhar o feminino: “Eu vejo o quanto as mulheres ainda são massacradas com esse padrão do marido, da família e do que escuta quando criança e adolescente” afirma. Nesse sentido a professora e estilista faz uso da sua formação em Psicanálise: “Vem um pouco da Renata psicanalista na consultoria de imagem, que trabalho através da fala dessa mulher que ressignifica esse sofrimento, e descobre alegria no vestiário. Isso traz resultados positivos. Trabalho esse meu lado da psicologia na construção de uma roupa e todas as coleções são feitas nesse sentido e o processo criativo é feito dentro dessa colagem”. Dessa forma, é possível enxergar as vertentes da economia criativa que vão além do lucro e apenas vestir alguém.

​

“Uma roupa para a vida toda”

​

A estilista afirma que é importante para as clientes se reconhecerem nas peças que usam, uma vez que a partir disso se descobre infinitas possibilidades enquanto indivíduo profissional e pessoal. “Sempre foi algo relacionado a fazer pouco, quando ainda nem se falava em ‘slow fashion’, mas fazer melhor e com o lema de uma roupa para vida toda”, destaca.

 

Para Renata, a economia criativa também passa por uma valorização do regional e da cultura local. Na coleção Iracema de Alencar, por exemplo, a estilista passou por um processo de imersão na obra do autor, de revisitar a cidade e por uma busca que visava descobrir quem é a Iracema de hoje em dia: “Essa ideia vem de um tema que é nosso, a economia criativa também vem disso, de usar o que é nosso para trabalhar. Dentro dessa mesma construção, só usei na coleção tecidos feitos no Brasil, de preferência no Ceará. Fui muitas vezes ao Mercado Central. Então, fiz uma coleção com tecidos de rede, só com fibras naturais, o que é um desafio porque o cearense ainda não absorveu o que é nosso. É como se toda vida nadasse contra a maré, mas pra mim é o que tem feito sentido”, desabafa.

​

Herança

​

Na sala de aula, a professora Renata, ensina aos alunos a serem autorais, uma força de colocar o pensamento criativo ainda na graduação na cabeça dos novos estilistas: “Eu só trabalho com meus alunos para eles irem criar o que é deles, isso é muito meu como professora. É a minha esperança que eles sejam diferentes e valorizem o que é nosso”.  

 

Ela explica que uma das finalidades da sua disciplina ‘Programa Integrador 4’, é desenvolver uma marca, baseada em critérios sustentáveis, inovador e caráter inclusivo:” Semestre passado trabalhamos com mulheres mastectomizadas, já trabalhamos com deficientes visuais, cadeirantes, e agora a gente vai trabalhar as rendeiras. Nós vamos na Prainha, no Mercado Central e os alunos vão ter que desenvolver algum produto com a renda, criando um novo desenho, um novo significado que é o que tá dentro dessa teia.”, afirma. Dessa forma, dentro da própria Universidade os alunos já iniciam um trabalho criativo e economicamente rentável para a comunidade local.

​

Desafios culturais

​

Renata Santiago também é integrante do grupo Rotas Estratégicas, da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), a estilista e outros empresários locais visam pensar estratégias e desafios para o Ceará se posicionar na Indústria da Moda. Para ela um dos grandes esbarros da Economia Criativa na Moda cearense é o fator cultural. “O grande desafio para o Ceará é a questão da caducidade cultural, é um povo caduco culturalmente, o brasileiro em si, a gente tem uma cultura que ainda é muito voltada para o pensamento colonizador, de vangloriar e querer o que vem de fora toda hora, então, acho que a maior dificuldade é mudar isso”, ressalta.

 

Uma saída para essa adversidade, segundo a estilista, é criar um espaço de produção de cultura, de editorial aberto para experimentações. É o que ela pensa em fazer no seu novo ateliê. “A partir disso vamos pensar questões para mudar a cultura do nosso povo, experiências que realmente façam sentido e não só eventos, que seja uma coisa provisória, mas que surta efeito por muito tempo. Eu vejo que muito já tem sido feito, e que sem dúvida nenhuma  esses doze anos que eu estou na moda, muitas coisas já mudaram e estamos avançando. De nada adianta a gente usar uma fibra sustentável se a pessoa vai explorar outro aspecto, que é o que muito se vê. Empresarialmente é um esbarro muito grande para mim”.

 

O Moda para Mim vem a ser uma expressão pessoal da própria Renata, que também serve para ressaltar seu ativismo. A ideia do Moda para Mim, então, é como pensar a moda dentro desse fenômeno social cultural tão complexo, como é essa teia de relações e interesses. Não existe uma delimitação para o projeto: “As pessoas querem colocar numa caixa, e não deixar dentro de uma caixa é o diferencial”, conclui.

“As pessoas não entendem que os clientes querem verdade, querem sentimento”

A Identificação em uma marca, além de ser distinta, pode ou deve ser embasada na história de uma personalidade, ser como uma pessoa, falar e se comunicar. Assim são grandes marcas internacionais como a Burberry ou a Chanel, referências em personalidades consolidadas e que continuam a vender e crescer cada vez mais. Para Coco Chanel, (1983-1971), “a moda não é algo presente apenas nas roupas, tem a ver com ideias, com a forma como vivemos, com o que está acontecendo”, frase esta que nos faz parar e pensar na moda não só como estética ou função corporal, mas também para o conceito do que vestimos.

​

David Lee

​

Partindo do amor pela profissão e pelo desejo de contribuir para a construção de novos referenciais masculinos, David Lee (26), estilista cearense autodidata e um dos vencedores do concurso Novos Talentos QG Reserva, ressignifica em suas coleções a flor como elemento feminino e a presença marcante da cor amarela. Assim como associamos a marca da Coca-Cola quando vemos a cor vermelha,  o amarelo vibrante e otimista que toma a frente da comunicação de sua marca já é característica referencial na boca de seus amigos, parceiros e clientes. “É assim que a gente vai construindo, já estamos conseguindo ter evasão, sabe? De ter uma pessoa que diz ver o amarelo e lembrar de mim. É inconsciente, a gente vai colocando isso nas pessoas de uma forma consistente”  

​

Identidade visual

 

O êxito entre ter um ponto fixo ou não pode ser um fator crucial para quem pensa em construir um novo negócio, ainda mais quando não se tem tantos recursos. No entanto, David desde o início investiu na identidade visual acerca do Instagram, onde gostaria que fosse o primeiro contato com os clientes, fator importante para ele já que se trata de moda, de imagem. Preocupado em não associar a sua persona e seus gostos pessoais à marca, a busca por estabelecer um branding, o que se come, onde anda, suas crenças, valores e que preceitos acreditam nessa identidade foram pensadas e criadas por ele a fim de configurar uma marca identitária.  

 

Conduzir o processo criativo de um determinado empreendimento, sua mão de obra e vendas não é lá algo comum de se ver nas infinitas lojas de roupas que encontramos pelo centro da cidade e adjacências. Acreditar e apostar no potencial de seus funcionários e fornecedores, naqueles que trabalham direta e indiretamente com você, pode parecer uma tentativa frustrada para quem quer embarcar no mercado da moda cearense. No entanto  tornar um coletivo de ideias e crenças mais forte do que a singularidade de um único estilista ou de uma empresa familiar é um conceito que, na verdade, sempre existiu. Hoje é que estamos em um momento onde a contribuição criativa se faz mais consciente, podendo fazer dela uma estratégia organizada, uma ferramenta ou uma solução geradora de valor e de importantes diferenciais sociais, culturais e ambientais.

 

A criatividade e o capital intelectual, além de andarem juntos, são a matéria prima para criação e produção de uma marca que queira um negócio inovador. No mundo da moda já não se constroem mais só uma peça, podemos dizer que agora compramos algo que deixa de ser só desejo e passa a fazer parte da vida de quem consome. “Como vestir uma pessoa que não acredita na desconstrução?” questiona. David ressalta a importância de conduzir quem trabalha com você, conectando causas, equipamentos, ideias, enfim, tudo o que constrói um futuro onde você possa vender a real perspectiva do seu produto, ao contrário do que denominamos ser tendência e, muita vezes, se volta para a produção massiva em indústrias de facção.

Impacto Ambiental

Quando compramos uma peça de vestuário o que faz nossa cabeça é saber se o produto vai cair bem no corpo e no bolso. O processo de confecção da peça só vem a tona se aquela estiver mal feita, se estiver tudo em perfeitas condições para uso, não há motivos para reclamar nem se desgastar pensando no assunto. Mas a verdade é que o processo de confecção de uma roupa envolve uma cadeia de pessoas, tecnologia e recursos naturais, o que vem gerando uma imensa discussão sobre os impactos ambientais da moda no planeta.

 

A indústria do vestuário é atualmente considerada a 5ª mais poluente do planeta segundo a WRAP (Programa de ação sobre resíduos e recursos). Muitas das grandes empresas de vestuário começam a ficar sensíveis aos números que ligam a indústria da moda a uma das mais prejudiciais ao meio ambiente e a exploração humana. O que vem ganhando a mira de marcas nacionais e internacionais é fazer da moda um negócio mais limpo, sustentável e amigo do meio ambiente. Agregando valores da economia criativa, que visa ser uma moda que não explora o meio ambiente.

 

Cada vez mais a moda está ligada a uma ideia de sustentabilidade, que envolve a parte social (toda a cadeia produtiva do pré-consumo), cultural (valoriza as raízes e origens da peça), ecológico (busca alternativas de menor impacto negativo ao planeta) e econômico (gera renda e proporciona desenvolvimento local).


No Brasil já existe uma agenda que visa discutir as possibilidades de se fazer uma moda mais consciente. Em novembro de 2017, por exemplo, aconteceu em São Paulo, a Brasil Eco Fashion Week (BEFW) - 1º Semana de Moda Brasileira Sustentável. O evento objetiva ser uma resposta à crescente procura por um mercado de moda engajado a valores humanos, consciente de consumo e preservação ambiental. Durante o evento foi apresentado um Índice de Transparência da Moda, relatório da ONG inglesa Fashion Revolution lançado em abril de 2017 que analisou quesitos empresariais de produção. Com base nisso separamos gigantes na moda global que tem buscado fazer a diferença.

​

Dragão Fashion Brasil

Idealizado por Claudio Silveira, a principal missão do Dragão Fashion Brasil Festival é servir como celeiro para novos talentos e lançar estilistas e marcas comprometidas com uma visão mais autoral da moda. Com o tempo, o DFB assumiu o gosto pela pluralidade e tornou-se um festival multicultural, abraçando 7 novos eixos: música, moda, formação, empreendedorismo, oportunidade, dança e arte

​

​

​

​

​

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto: Maria Julia Giffoni

 

"A economia criativa não está focada só na sustentablidade esse é um dos focos, ela na verdade vem como uma forma de se criar alternativas de se vender produtos que foram feitos por famílias e pessoas que não tem mais um rendimento tão grande".  

​

​

Parcerias economicamente criativas  

 

Em parceria com o SENAC, um dos maiores focos do evento é atender uma gama grande de alunos para formação e qualificação, apoiando e transformando esses estilistas em profissionais da área da moda. Contudo, o DFB abre espaço para pessoas dentro da cadeia produtiva, e também dentro de empresas de marketing e confecção, onde eles acabam sendo mais respeitados. “Esse é o poder que o dragão impõe. É para que os estilistas quando se apresentarem, procurarem se fortalecer para acompanhar o mercado de trabalho”, ressalta.

 

O idealizador garante marcar esse encontro de design em um dos espaços de maior visibilidade dentro do festival, o Boulevard Casa do Dragão, são 1.200 m² de área que respira economia criativa com 64 expositores de todos os tipos, como design de roupas, design de artesanatos, de jóias, de quadros, bolsas e  sapatos. “A gente aposta mais em quem cria melhor porque depende da criação, da criatividade. Se você for criativo, você está dentro do Dragão. Conta a criação de um trabalho criativo, a apresentação de forma criativa. Vale mostrar que você é um estilista com foco, com muita criatividade, com pegada autoral e cultural. Você pode ser criativo com plástico, com renda, com tecido, com jeans, o que for!” destaca.

 

Um dos grandes parceiros do evento é a Enel, que atua na cadeia produtiva das artesãs, por meio do grupo Giro Social. O trabalho visa dar visibilidade aos trabalhos de pequenos artesãos a fim de fortalecer as famílias que são de baixa renda, famílias que fazem a economia criativa a sua sobrevivência. A parte de Cláudio Silveira é crucial, uma vez que ele ajuda a viabilizar o projeto dando o espaço necessário para a venda dos produtos: “Eu apoio uma loja de pequenos artesãos quando faço uma loja moderna, quando faço o produto vendido se sobressai, fazendo com que o produto fique mais visível, é o que nós sabemos fazer enquanto moda para que tenha uma visibilidade melhor e por sua vez uma venda melhor”.

Economia
Moda Cearense
Impactos
Eventos
bottom of page